Eis como eles se amam, foi dito em louvor dos primeiros Cristãos. E não podia ser de outra forma, pois se sentiam e eram membros de um só Corpo, que é. Jesus Cristo. N’Ele amavam a Deus, o Pai comum de todos, e n’Ele amavam-se uns aos outros. Este ideal de que viviam os nossos antepassados é assim delineado e posto diante dos nossos olhos na Missa destes dias, e é uma esplêndida introdução e uma preparação, para o sacrifício comum, o centro do serviço divino que a Comunidade cristã presta a seu Criador.
Páginas 614 a 617 do Missal Quotidiano (D. Gaspar Lefebvre, 1963)
Epístola
Lição da Ep.ª do B. Ap.º Pedro.
1 Pe 3, 8-15.
Caríssimos: Sede todos unidos na oração e igualmente compassivos, amando-vos como irmãos; sede misericordiosos, modestos e humildes, não retribuindo o mal com o mal, nem a injúria com a injúria; mas, pelo contrário, bendizei os que vos amaldiçoam, ficando cientes de que sois chamados a esta grande perfeição, a fim de que sejais herdeiros da bênção. Aquele que ama a vida e quer ter dias felizes deve refrear a língua para que não fale mal de ninguém, nem os lábios profiram mentiras; deve afastar-se do mal e praticar o bem; deve procurar a paz e prosseguir nela. O Senhor tem os olhos abertos para os justos e os ouvidos atentos às suas preces; mas o Senhor tem olhares de ira contra os que praticam más ações. Quem vos fará mal, se fordes zelosos em praticar o bem? Mas se, apesar disso, sofrerdes por amor da justiça, sereis bem-aventurados. Não receeis, pois, os males, nem vos perturbeis; santificai nosso Senhor Jesus Cristo nos vossos corações.
Evangelho
Continuação ☩ do santo Evangelho segundo S. Mateus.
Mt. 5, 20-24.
Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: Se a vossa justiça não for mais perfeita do que a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no reino dos céus. Sabeis o que foi dito aos antigos: «Não matareis: aquele que matar será réu no juízo»? Pois digo-vos: Aquele que se irar contra seu irmão será réu no juízo; aquele que disser a seu irmão faca será réu no conselho (Sinédrio); e aquele que chamar a outrem louco será réu do fogo do inferno. Se, pois, tu trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te recordares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai primeiramente reconciliar-te com teu irmão. Depois vem e oferece a tua dádiva.
Meditação
Omnis qui irascitur fratri suo, reus erit iudicio – “Todo aquele que se irar contra seu irmão, será réu em seu juízo” (Mt 5, 22)
Sumário. É com razão que Jesus Cristo disse que, quem se encoleriza, se torna réu do juízo; porquanto a ira faz o homem cair em mil excessos, sem que lhe deixe ver o mal que faz. Roguemos ao Senhor que nos livre desta paixão, sejamos mansos para com todos; e façamos com nossa língua a convenção que nos guardaremos de falar, quando se diga contra nós alguma coisa que nos possa irar. Se por desgraça nos tivéssemos irado, não se ponha o sol sobre nossa ira.
I. Oh, quantos males nascem do vício insensato da ira! Ela é semelhante ao fogo, porque assim como o fogo é veemente na sua força destrutiva e logo que pegou impede a vista pelo fumo que despede, assim a ira faz o homem cair em mil excessos, e não lhe deixa ver o que está fazendo e assim, conforme à palavra de Jesus Cristo no Evangelho de hoje, torna-o réu do juízo: Ominis qui irascitur fratri suo, reus erit indicio.
É tão prejudicial ao homem a ira, que ainda mesmo exteriormente o desfigura. Ainda que seja a pessoa mais bela e graciosa do mundo, quando a cólera a transporta, será, como diz São Boaventura e confirma a experiência, semelhante a um monstro, a uma fera que atemoriza. Portanto, se a ira nos desfigura aos olhos dos homens quanto mais nos desfigurará aos olhos de Deus.
Ira viri; escreve São Thiago, institiam Dei non operatur (1), quer dizer que as obras de um homem iracundo não podem harmonizar-se com a justiça divina, nem, por conseguinte, estar isentas de pecado, talvez mesmo grave. Sim, porque a ira, no dizer de São Jerônimo, faz o homem perder a razão e obrar cegamente como um louco ou uma fera. Fá-lo cair em pecados de murmurações, de injustiças, de vinganças, de blasfêmias, de escândalos e de mil outras iniquidades. Numa palavra, concluí o mesmo Santo, é pela ira que entram na alma quase todos os vícios: Omnium vitiorum ianua est iracundia.
Ai, porém, dos iracundos! Ao mesmo tempo que os desgraçados se inflamam em cólera contra o próximo, Deus não somente se afasta deles pela subtração das graças, mas arma também sua mão com o açoite do castigo para puní-los neste mundo e no outro. Além disso, os iracundos, nos dias de sua vida, passam uma existência infeliz por estarem sempre agitados como numa tempestade.
II. Sendo tão numerosos e funestos os prejuízos que o vício da ira causa à alma, mister é que usemos de todo o cuidado em refreá-la, afeiçoando-nos à mansidão, que é a virtude predileta de Jesus Cristo. Dizia São Francisco de Sales: “O que se deixa levar por leves movimentos de ira, em breve se tornará furioso e insuportável”. – Devemos, portanto, conforme à exortação de São Paulo (2), vestir-nos de entranhas de misericórdia para com o próximo e suportar os seus defeitos, lembrando-nos de que ele deve também suportar os nossos, que são talvez mais graves.
Quando recebermos algum agravo, respondamos com brandura, ou, melhor ainda, abstenhamo-nos de responder, à imitação de São Francisco de Sales, que tinha feito com a sua língua a convenção que havia de ficar calada quando se dissesse alguma coisa que o pudesse encolerizar. – Quando, porém, por desgraça, a ira tivesse entrada em nosso coração, tenhamos cuidado de não a deixar descansar ali: Sol non occidat super iracundiam vestram (3) – “O sol não se ponha sobre a vossa ira”. E Jesus Cristo conclui o Evangelho de hoje com estas palavras:
“Se, estando a apresentar a tua oferenda ante o altar, te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, larga a tua oferenda ao pé do altar, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão e depois virás fazer a tua oblação”
Mas, sobretudo, para que não nos deixemos dominar por alguma paixão, e em particular pela ira, roguemos muitas vezes ao Senhor com o Eclesiástico: Não me entregues a uma alma sem pejo e sem recato: Animo irreverenti et infrunito ne tradas me (4).
Ó Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, suplico-Vos, não permitais que eu seja escravo do vício da ira; infundi em meu coração o espírito de mansidão e de doçura, afim de que eu não ofenda a ninguém e perdoe aos que me ofendem. – “Ó Deus, que preparastes bens invisíveis para os que Vos amam, infundi em nossos corações o afeto do vosso amor, para que, amando-Vos em tudo e sobre tudo, alcancemos vossas promessas, que excedem todos os desejos” (5). Fazei-o pelos méritos de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima.
Referências:
(1) Tg 1, 20
(2) Cl 3, 12
(3) Ef 4, 26
(4) Eclo 23, 6
(5) Or. Dom. Curr.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 214-216)
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